sábado, 22 de setembro de 2012

Crime e Castigo [Fiodor Dostoiévski]*


O que leva uma pessoa a cometer um crime? Pobreza, situação social, vontade, superioridade, ganância? E qual é a conseqüência desse crime? Podemos listar diversos casos onde o criminoso era um psicótico que não conseguia parar de matar ou um pai de família, tentando conseguir comida para os filhos. E as conseqüências podem ser prisão, morte, ou até liberdade sem nenhuma suspeita. Dependendo do caso, tudo ou nada pode acontecer. A reflexão sobre o que leva alguém a cometer um crime e o que acontece com essa pessoa é o que Fiodor Dostoiévski faz em um de seus mais famosos romances, Crime e Castigo.
Raskólnikov é um jovem que acabou de abandonar a faculdade de direito em São Petersburgo. Vivendo há algum tempo longe da família e com dificuldades financeiras, ele monta em sua mente um plano para conseguir dinheiro. Alióna Ivanovna, uma velha que penhora objetos de valor, é escolhida para ser sua vítima, uma mulher rabugenta que arranca dos seus clientes até o último fiozinho de ouro. Nos primeiros capítulos do romance, dividido em dois volumes na edição dos Clássicos Abril Coleções, vemos a o assassinato apenas na cabeça de Raskólnikov, com ele verificando cada passo que deve fazer e instrumentos que tem de usar para colocar em prática o seu plano.
Podemos considerar Raskólnikov um homem certo, solidário e justo. Percebe-se isso na cena em que o estudante fala com Marmeládov, o bêbado no bar, que lhe conta a desgraça de sua família. De certa forma, o jovem se sensibiliza com a história do homem, chegando a lhe deixar dinheiro para amenizar seus problemas. Mas a crítica à postura do bêbado permanece. Raskólnikov sente a escória que envolve Marmeládov ao mesmo tempo que entende a exploração à sua família para conseguir o que sacia suas vontades. Há nesse trecho uma batalha entre o certo e o errado, entre valores de Raskólnikov que se embatem antes dele cometer o crime.
O ex-estudante, inteligente e orgulhoso, decide assassinar velha, crente de que estaria fazendo um bem às pessoas que faziam negócios com ela. Mas também mata sua irmã, uma mulher boa que nunca lhe fez mal. É a reação dele a esse crime que permeia todo o resto da narrativa de Dostoiévski, mostrando sua apreensão quanto à descoberta de seu ato e como esse nervosismo agia em seu corpo e mente. Raskólnikov fica ainda mais receoso de ajuda, fechado e ranzinza, vendo o mundo de forma mais vil enquanto tenta se desligar do ocorrido, tornando-o um acontecimento sem importância. Aqui surge Razumíkin, ex-colega e amigo do protagonista que procura ajuda-lo, mas vira alvo de suas grosserias. Uma das “boas” personagens da trama que, apesar do tratamento que lhe é dispensado, não deixa de zelar pelo amigo.
É importante ressaltar a forma com que Dostoiévski narra, permeando a história com tramas paralelas, fazendo suas personagens se perderem em raciocínios que dão voltas na cabeça do leitor, mas que sempre retomam o tema principal do livro. Por meio de diálogos e transcrevendo pensamentos, o autor caracteriza as personagens, mostrando seu real caráter e conduzindo a trama com seus apontamentos. Certamente, uma forma bem cansativa de narrar que tira as forças do leitor, mas vale a pena pelo estudo aprofundado de cada personagem, servindo como crítica e reflexão do comportamento humano.
Deve-se destacar a passagem em que Raskólnikov visita Porfíri, o inspetor que investiga o caso, e a discussão entre os dois sobre a existência do ato criminoso. Ali o autor expõe a explicação moral que seu protagonista encontrou para se inocentar do assassinato, a brecha que lhe permitiu matar Alióna Ivanovna. Em todo momento, percebe-se a semelhança entre os “homens extraordinários” de um artigo de Raskólnikov, aqueles que matam e se tornam mártires, e ele mesmo. Enquanto explica sua teoria, ele se sente preso ao pensar que todos na sala sabem que ele é o assassino. Nervoso, Raskólnikov tenta se manter frio e impassível para demonstrar pouca ligação com o ocorrido. Não se tem certeza se esse medo é fruto de seus delírios e desconfianças, ou se as autoridades realmente suspeitam de sua participação no crime.
No início do segundo volume o foco sai de cima de Raskólnikov, com uma grande passagem falando da morte de Marmeládov e a relação do jovem com a família do finado. Sem falar no embate entre Raskólnikov e o noivo de sua irmã, a quem odeia e não aprova o casamento. Aí também cria-se uma intriga entre os dois e a prostituta Sónia, filha de Marmeládov, que tira dos olhos do leitor o assassinato de Alióna Ivanovna e os volta para sua família. Raskólnikov se mostra mais são, principalmente por estar em constante companhia de Sónia, com quem alivia seus temores e confidencia o crime.
Mas na cabeça do protagonista ainda há a duvida quanto ao que fez. Sua teoria do assassinato por um bem maior, uma transgressão necessária, é verdadeira ou ele deve se jogar à culpa, ver que o que fizera era, em todos os sentidos, um crime? Ele merecia ser severamente punido por isso? Dostoiévski se estende minuciosamente em todos os pensamentos das personagens, principalmente aos do jovem assassino. E também cria diversas tramas que trabalham valores e moral do homem que incrementam ainda mais a história.
Crime e Castigo é denso, demorado, e por vezes confuso por conta das voltas que Dostoiévski dá com suas tramas paralelas. São muitas personagens e diversas histórias que transportam o leitor para longe da ação principal, mas que ao mesmo tempo acrescentam mais à compreensão de quem é Raskólnikov. Ele cria uma personalidade forte e faz o leitor entender o que o ex-estudante pensa e faz. Todas as criações de Dostoiévski são ricas, seja em suas ações ou em seu psicológico, que montam uma trama onde cada pessoa tem sua importância. Não digo que a leitura é obrigatória por ela ser um clássico, mas por tratar as personagens de forma tão completa.

*Publicado originalmente no "Blog Meia Palavra". Link aqui.

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