domingo, 26 de fevereiro de 2017

Amadeo, o Aquarelista da Villa*

Quadro "Villa do Arroio Grande" (1883), de Amadeo de R., entronizado na
Salada Presidência da Câmara Municipal através da Portaria nº 04/98, de 25.11.1998.
       Fazia poucos dias que José Alberto Baptista retornara da capital; havia ido buscar seu filho, José Alfredo, que tinha recebido alta da Santa Casa, após longa estadia naquele local. Lembrava com tristeza do dia em que seu primogênito adentrara, tísico, naquela irmandade; recordava, ainda, da promessa que fizera à padroeira da Villa, ali, ajoelhado, na primeira fileira de bancos ao pé do altar da Matriz: prometera que, se José Alfredo tivesse rápida recuperação, traria um artista para desenhar um retrato panorâmico daquele povoado, dando destaque para o paço da igreja, o qual presentearia à Câmara Municipal, na qual era vereador. Assim que recebeu a notícia de que seu filho estava recuperado, foi à capital buscá-lo, oportunidade na qual aproveitou para dar cumprimento à promessa: saiu pelas ruas de Porto Alegre à procura de um artista que se propusesse a fazer, em tempo hábil, o retrato prometido. Nas idas e vindas de José Alberto, eis que encontrara, ao acaso, um homem alto, esguio, cabelos lisos e bigode fino, com o qual estabeleceu conversação, momento em que descobriu sua vocação para com as artes da pintura e do desenho. Seu nome era Amadeo, um jovem de origem italiana que veio em expedição às terras brasileiras e que aqui acabou por ficar, tamanho o seu encantamento pelas terras situadas abaixo da linha equatorial. Alberto fez o convite a Amadeo, o qual prontamente aceitou. Os três – Alberto, Alfredo e Amadeo – vieram em partida à Villa do Arroio Grande. Após estarem instalados na casa de Baptista, o anfitrião e Amadeo saíram a cavalo pelas redondezas, a fim de que o artista se familiarizasse com o local. Começaram pelo paço e partiram, após, pela beira do arroio. Seu encantamento era supremo; jamais havia visto um lugar tão belo e tão simples ao mesmo tempo. Subiram a coxilha do fogo e lá, do norte, o artista pôde obter uma visão do panorama que seu anfitrião gostaria de ter retratado em uma pintura; já tinha em mente, neste momento, o que Alberto almejara ao procurá-lo. Eis que Amadeo deu início à fazedura de sua obra artística: primeiramente, desenhou o paço da Villa; foram dois dias de observação ao contorno arquitetônico dos prédios. O traçado a lápis do italiano era de uma precisão pouco conhecida por estas bandas e reproduzia, com perfeição, cada detalhe das fachadas. Após, foi a vez de retratar o povoado a partir da vista para além da coxilha do fogo; foram sete dias de árduo desafio à perfeição a qual Amadeo se entregou. Dado por pronto o desenho e a pintura da Villa e do paço, o artista passou à fase dos acabamentos: retratou os gaúchos em seus cavalos, personalidades com quem muito se deparou em suas andanças por estas terras, bem como inseriu os escritos que Alberto havia lhe solicitado. A obra, enfim, estava pronta. Era chegado o dia da entrega da aquarela à Câmara Municipal. Para a ocasião, a Casa realizou uma pequena solenidade, por ordem de seu Presidente. Nela, estiveram presentes Baptista e os demais Vereadores, assim como as demais representações administrativas da Villa, além, é claro, do autor do quadro. A obra foi, então, apresentada a todos, que, diante de tamanha precisão para os padrões da época, ficaram sem palavras para descrever a beleza dos traços do artista. Terminada a solenidade, Amadeo estava com tudo aprontado para sua partida. Despediu-se de todos, em especial de Alberto, o qual não sabia como manifestar agradecimento e partiu, para nunca mais voltar. Com a Villa, ficou o quadro, para a posteridade e – quiçá – eternidade. Com Alberto, ficou a estranheza do pedido de Amadeo: de que seu sobrenome jamais fosse revelado. E assim ele o fez...


*Uma ficção de Elizandro Rodrigues. Crônica publicada originalmente no Jornal Correio do Sul, Coluna dos Defensores do Patrimônio Histórico e Cultural de Arroio Grande, em 23.02.2017.

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