Por Elizandro Rodrigues
A tarde se iniciara
com um mormaço típico do verão. Era um dia veranil desses de início de ano, os
mais intensos; os habitantes da Villa do Arroio Grande já haviam sofrido
bastante com o calor que fizera na virada do ano. Não tardaria muito para este
cenário ser alterado. Percebendo uma diferença repentina no tom azul do céu, a
velha senhora fitou a observá-lo da janela de casa, que se localizava defronte
à praça. Quando notou um caminhar celeste de nuvens fora de seu compasso
normal, foi ao pátio, pegou um machado de cabo curto e saiu, rua afora, pela
Principal, em direção ao arroio. Quando chegou ao pastiçal que antecedia às
águas, já observava nuvens escuras ao horizonte; a brisa se transformava aos
poucos em vento. Empunhada do machado, murmurou algumas palavras e lançou-o,
cravando-o na terra; virou-se de costas e veio na direção de sua casa, sem mais
olhar para trás. Chegou e foi para a janela novamente, a fim de observar os
movimentos celestes.
Na vila, todos ficaram assustados com a mudança brusca no
tempo: assim que o vento começou, a temperatura caiu repentinamente. O Sr.
Maciel, assustado, saiu à porta de seu estabelecimento e foi em direção à
esquina, quando, olhando na direção do arroio, se deparou com um paredão escuro
e assombroso de nuvens que se formara no horizonte. Um conhecido seu passava na
rua e lhe comentou da viração, para o qual respondeu: “Fiquei impressionado com
a mudança abrupta de tempo, meu caro; tanto que já dispensei os serviçais e
estou fechando a Pharmacia por hoje”. Com um aceno ao conhecido, recolheu-se,
ação esta por todos realizada. Às duas e meia da tarde, não havia uma alma
sequer pelas ruas da vila; o único som que se ouvia era dos relâmpagos
acompanhados do uivar do vento.
E o dia virara noite: por volta das três horas
começara o temporal; a chuva caía do céu com tamanha força e velocidade, como
que se houvesse algo acima dela a pressioná-la; a cântaros, as ruas de terra do
povoado eram varridas pela enxurrada. O vento, por sua vez, possuía a bravura
de um exército em plena guerra: lançava-se com a chuva por sobre os vidros das
janelas do casario e rebolqueava, num anseio satânico, a copa das árvores da
praça. A torrente era tanta que pouco se enxergava para a rua; foram momentos
de bastante aflição. Eis um espetáculo sinistro que a natureza proporcionou
naquele dia. E a velha senhora continuava na janela, murmurando, a observar a
tempestade. Quando a chuva cessou, as autoridades da vila saíram a recorrer as
casas, com a finalidade de fazer um levantamento de possíveis avarias. Para a
surpresa daqueles homens, uma telha sequer foi mexida com o vento, tampouco
sequer uma palha de santa fé foi arrancada de algum rancho pela ventania. O
temporal passou pela vila e não deixou estragos. Ao final da tarde, o céu já
havia clareado, possibilitando que despontasse no horizonte um belo pôr-do-sol,
acompanhado de brancas e finas nuvens, as quais mais se assemelhavam à seda de
um enxoval de uma jovem prestes a casar. A velha senhora, a passos lentos, se
dirigiu na direção do arroio, a fim de buscar o machado; enquanto caminhava,
murmurava. Em seus olhos, chorosos de felicidade, estava retratado o
significado do murmúrio: agradecimento. Sua missão, afinal, havia sido
cumprida...
*Crônica publicada originalmente na Coluna dos Defensores do Patrimônio Histórico de Arroio Grande, Jornal Correio do Sul, em 19.01.2017.
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