O trem, vindo de Jaguarão, parou exatamente às
três horas na Estação da Airoza Galvão. Um número pequeno de passageiros
descera naquela tarde ensolarada, dentre eles, Sofia. O carregador ajudou-a com
sua bagagem em direção ao primeiro charreteiro que ela encontrou e que a
conduziu pelo longo caminho que ainda havia até chegar ao Arroio Grande. Ela
subiu à charrete e, com a ajuda do carregador da estação, o charreteiro colocou
as malas na traseira do veículo. Os dois, então, partiram em direção à cidade. Sofia
era uma moça de aproximadamente vinte anos, estatura média, corpo magro, esguio
e cabelos castanhos, longos, porém ocultados em parte pelo chapéu de aba larga
que usava. Sua beleza despretensiosa lembrava telas a óleo do Século XIX. Era
filha de Charlotte Charnoy, francesa, dona de uma Casa de Saliências em
Jaguarão, na Beira-Rio, onde ali se estabeleceu em razão do advento da
construção da Ponte Internacional. Apesar da vida que levava e da fama rotulada
em sua testa, Mme. Charnoy sempre manteve Sofia afastada de todo esse contexto:
não queria para a filha a mesma sorte que teve. Criou-a em uma pensão de moças
e empregava generosas quantias em prol da educação formal da filha. Eis que,
quando estava a terminar seus estudos no Colégio das Freiras, começou a passear
na praça aos domingos com suas amigas, quando quis o destino que ela conhecesse
Pedro de Aguiar, um jovem arroio-grandense que estava prestando serviço militar
no Batalhão de Infantaria. Foi amor à primeira vista. Palavras foram trocadas.
Juras foram ofertadas. Promessas foram firmadas. O colégio encerrou suas aulas
e o batalhão, por sua vez, realizou o encerramento de suas atividades naquele
ano. Ele retornou para Arroio Grande e ela, aflita, encontrava-se no dilema de
ficar no Brasil e ir ao encontro dele ou retornar com sua mãe para a França. A
construção da ponte há muito havia sido concluída. Eis que lá estava Sofia,
sentada à charrete, há poucos minutos do Arroio Grande, embalando seus
pensamentos ao ritmo do movimento da charrete: pensava em todos os
acontecimentos. Iria ao encontro de Pedro, na esperança de com ele ficar. Ao
chegar à cidade, a charrete parou à Praça Central, quando Sofia desceu e um
homem que vinha passando, o Seu Alvim Caminhão, ofereceu-lhe ajuda com a
bagagem, a qual prontamente aceitou. Ela se hospedaria no Hotel do Branco. No
caminho, contou-lhe parte dos acontecimentos e dos motivos que a levaram a vir
para Arroio Grande. À porta do Hotel, Sofia agradeceu a gentileza do Seu Alvim
em ajudá-la e adentrou o estabelecimento. O Quarto 16 do Hotel se situava na
esquina do prédio; a vista era ampla. Ali, Sofia aguardaria a chegada de Pedro,
que prometeu vir a seu encontro. O cômodo era de uma simplicidade com certo
incremento: à entrada, atrás da porta, havia um aparador de chapéus em bronze.
Em frente à cama, estendida com lençóis brancos e colcha azul-turquesa, havia
um pequeno móvel de tronco de cerejeira, com duas portas e uma gaveta, sobre o
qual repousava um jarro e uma bacia, ambos brancos e de porcelana austríaca. À parede,
atrás da porcelana, um espelho ovalado com acabamento cromado refletia a beleza
cansada e angustiada de Sofia. A moça sentou-se à cama e olhou pela janela.
Nenhum sinal de Pedro. Será que ele viria? Independentemente disso, já vinha
com decisão tomada: aguardaria Pedro por dois dias, nada mais. Mandou-lhe
bilhete por um dos guris que circundavam o hotel, sem haver resposta: o
silêncio de Pedro criara uma barreira intransponível. Sofia entendeu, então, o
recado: por mais que ambos se gostassem, um relacionamento entre eles seria
impossível; o passado da mãe de Sofia sempre se faria presente em suas vidas.
Ao segundo dia, Sofia se levantou, vestiu-se, pôs seu chapéu, acertou a conta
na recepção e partiu rumo à estação novamente, na qual seu destino seria outro:
Iria para Pelotas e, de lá, partiria de navio à capital e, após, à França, onde
sua mãe a esperaria...
*Uma ficção de Elizandro Rodrigues. Crônica publicada originalmente na Coluna dos Defensores do Patrimônio Histórico e Cultural de Arroio Grande, Jornal Correio do Sul, em 09.06.2017. Origem das imagens: Grupo Defensores (Facebook) / Pinterest.com.
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