quinta-feira, 15 de junho de 2017

A Francesinha*


O trem, vindo de Jaguarão, parou exatamente às três horas na Estação da Airoza Galvão. Um número pequeno de passageiros descera naquela tarde ensolarada, dentre eles, Sofia. O carregador ajudou-a com sua bagagem em direção ao primeiro charreteiro que ela encontrou e que a conduziu pelo longo caminho que ainda havia até chegar ao Arroio Grande. Ela subiu à charrete e, com a ajuda do carregador da estação, o charreteiro colocou as malas na traseira do veículo. Os dois, então, partiram em direção à cidade. Sofia era uma moça de aproximadamente vinte anos, estatura média, corpo magro, esguio e cabelos castanhos, longos, porém ocultados em parte pelo chapéu de aba larga que usava. Sua beleza despretensiosa lembrava telas a óleo do Século XIX. Era filha de Charlotte Charnoy, francesa, dona de uma Casa de Saliências em Jaguarão, na Beira-Rio, onde ali se estabeleceu em razão do advento da construção da Ponte Internacional. Apesar da vida que levava e da fama rotulada em sua testa, Mme. Charnoy sempre manteve Sofia afastada de todo esse contexto: não queria para a filha a mesma sorte que teve. Criou-a em uma pensão de moças e empregava generosas quantias em prol da educação formal da filha. Eis que, quando estava a terminar seus estudos no Colégio das Freiras, começou a passear na praça aos domingos com suas amigas, quando quis o destino que ela conhecesse Pedro de Aguiar, um jovem arroio-grandense que estava prestando serviço militar no Batalhão de Infantaria. Foi amor à primeira vista. Palavras foram trocadas. Juras foram ofertadas. Promessas foram firmadas. O colégio encerrou suas aulas e o batalhão, por sua vez, realizou o encerramento de suas atividades naquele ano. Ele retornou para Arroio Grande e ela, aflita, encontrava-se no dilema de ficar no Brasil e ir ao encontro dele ou retornar com sua mãe para a França. A construção da ponte há muito havia sido concluída. Eis que lá estava Sofia, sentada à charrete, há poucos minutos do Arroio Grande, embalando seus pensamentos ao ritmo do movimento da charrete: pensava em todos os acontecimentos. Iria ao encontro de Pedro, na esperança de com ele ficar. Ao chegar à cidade, a charrete parou à Praça Central, quando Sofia desceu e um homem que vinha passando, o Seu Alvim Caminhão, ofereceu-lhe ajuda com a bagagem, a qual prontamente aceitou. Ela se hospedaria no Hotel do Branco. No caminho, contou-lhe parte dos acontecimentos e dos motivos que a levaram a vir para Arroio Grande. À porta do Hotel, Sofia agradeceu a gentileza do Seu Alvim em ajudá-la e adentrou o estabelecimento. O Quarto 16 do Hotel se situava na esquina do prédio; a vista era ampla. Ali, Sofia aguardaria a chegada de Pedro, que prometeu vir a seu encontro. O cômodo era de uma simplicidade com certo incremento: à entrada, atrás da porta, havia um aparador de chapéus em bronze. Em frente à cama, estendida com lençóis brancos e colcha azul-turquesa, havia um pequeno móvel de tronco de cerejeira, com duas portas e uma gaveta, sobre o qual repousava um jarro e uma bacia, ambos brancos e de porcelana austríaca. À parede, atrás da porcelana, um espelho ovalado com acabamento cromado refletia a beleza cansada e angustiada de Sofia. A moça sentou-se à cama e olhou pela janela. Nenhum sinal de Pedro. Será que ele viria? Independentemente disso, já vinha com decisão tomada: aguardaria Pedro por dois dias, nada mais. Mandou-lhe bilhete por um dos guris que circundavam o hotel, sem haver resposta: o silêncio de Pedro criara uma barreira intransponível. Sofia entendeu, então, o recado: por mais que ambos se gostassem, um relacionamento entre eles seria impossível; o passado da mãe de Sofia sempre se faria presente em suas vidas. Ao segundo dia, Sofia se levantou, vestiu-se, pôs seu chapéu, acertou a conta na recepção e partiu rumo à estação novamente, na qual seu destino seria outro: Iria para Pelotas e, de lá, partiria de navio à capital e, após, à França, onde sua mãe a esperaria...

*Uma ficção de Elizandro Rodrigues. Crônica publicada originalmente na Coluna dos Defensores do Patrimônio Histórico e Cultural de Arroio Grande, Jornal Correio do Sul, em 09.06.2017. Origem das imagens: Grupo Defensores (Facebook) / Pinterest.com.

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