Sentado à sala da biblioteca, lá
estava. Há pouco, terminara a leitura do penúltimo fragmento de Memórias Póstumas. Era cedo da tarde, e,
enquanto descansava em sua poltrona, aquele Senhor encontrava-se pensando na
vida, nos seus feitos e conquistas, erros e acertos. Eis que, de repente,
alguém bate à porta, abrindo-a logo em seguida, adentrando no recinto.
Era um jovem: cabelos ao ombro,
olhos na cor de lago, vestido de branco; era daquelas pessoas das quais se tinha
a impressão de que trazia, consigo, uma paz de espírito em largas proporções.
Disse-lhe o Senhor:
- Cedo chegastes... Esperava-o
para mais tarde.
- Que é o tempo, meu amigo, se não
uma ilusão criada para entreter os homens na roda da vida...
- De fato, meu jovem, de fato...
Convidou-o para se sentar ao sofá e
fazer-lhe companhia. Em seguida, perguntou-lhe, quase que como externando uma
reflexão:
- Meu jovem: antes de chegares,
estava, cá, recordando-me de minha trajetória. O avançado da idade nos ocasiona
isto: lembranças, lembranças... Será que tudo que fiz, tudo que construí, todo
legado que compus... Terá sido suficiente? Terá valido a pena? Pego-me a pensar
muito a respeito...
O rapaz, sem hesitar,
respondeu-lhe:
- Meu amigo... Toda nossa
contribuição e tudo aquilo que fizermos em nossa trajetória sempre terá valido
a pena... Não tarda a chegar o momento em que algum iniciado, num futuro
próximo, desenvolverá melhor essa filosofia para a humanidade...
Ali ficaram. Conversavam sobre
tudo: economia, política, os mais variados assuntos. Experiências de um homem
vivido, que por muita coisa passou e presenciou, compartilhadas oralmente com
quem trazia junto de si a juventude. E as horas passaram...
Num determinado momento, o jovem
interrompeu e lhe disse:
- Meu caro Visconde, é chegada a
hora de irmos.
- Oh, sim... Que devo fazer, meu
jovem? Devo despedir-me?
- Não são necessárias despedidas,
meu caro amigo... Tudo faz parte de um ciclo e de um movimento contínuos.
E foram.
Os dois, juntos, a passos
vagarosos, retiraram-se da biblioteca, caminharam pelo corredor e dirigiram-se
ao jardim. Em meio à luz, partiram.
E assim tudo segue: pessoas vêm,
pessoas vão, coisas acontecem, surgem e ressurgem. É apenas o princípio...
*Uma ficção de
Elizandro Rodrigues de Rodrigues. Publicado originalmente no Jornal Correio do Sul, na coluna dos Defensores do Patrimônio Histórico e Cultural de Arroio Grande, em 29.10.2015.
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