sexta-feira, 29 de julho de 2016

Um Simpático Senhor*


Sentado à sala da biblioteca, lá estava. Há pouco, terminara a leitura do penúltimo fragmento de Memórias Póstumas. Era cedo da tarde, e, enquanto descansava em sua poltrona, aquele Senhor encontrava-se pensando na vida, nos seus feitos e conquistas, erros e acertos. Eis que, de repente, alguém bate à porta, abrindo-a logo em seguida, adentrando no recinto.
Era um jovem: cabelos ao ombro, olhos na cor de lago, vestido de branco; era daquelas pessoas das quais se tinha a impressão de que trazia, consigo, uma paz de espírito em largas proporções. Disse-lhe o Senhor:
- Cedo chegastes... Esperava-o para mais tarde.
- Que é o tempo, meu amigo, se não uma ilusão criada para entreter os homens na roda da vida...
- De fato, meu jovem, de fato...
Convidou-o para se sentar ao sofá e fazer-lhe companhia. Em seguida, perguntou-lhe, quase que como externando uma reflexão:
- Meu jovem: antes de chegares, estava, cá, recordando-me de minha trajetória. O avançado da idade nos ocasiona isto: lembranças, lembranças... Será que tudo que fiz, tudo que construí, todo legado que compus... Terá sido suficiente? Terá valido a pena? Pego-me a pensar muito a respeito...
O rapaz, sem hesitar, respondeu-lhe:
- Meu amigo... Toda nossa contribuição e tudo aquilo que fizermos em nossa trajetória sempre terá valido a pena... Não tarda a chegar o momento em que algum iniciado, num futuro próximo, desenvolverá melhor essa filosofia para a humanidade...
Ali ficaram. Conversavam sobre tudo: economia, política, os mais variados assuntos. Experiências de um homem vivido, que por muita coisa passou e presenciou, compartilhadas oralmente com quem trazia junto de si a juventude. E as horas passaram...
Num determinado momento, o jovem interrompeu e lhe disse:
- Meu caro Visconde, é chegada a hora de irmos.
- Oh, sim... Que devo fazer, meu jovem? Devo despedir-me?
- Não são necessárias despedidas, meu caro amigo... Tudo faz parte de um ciclo e de um movimento contínuos.
E foram.
Os dois, juntos, a passos vagarosos, retiraram-se da biblioteca, caminharam pelo corredor e dirigiram-se ao jardim. Em meio à luz, partiram.
E assim tudo segue: pessoas vêm, pessoas vão, coisas acontecem, surgem e ressurgem. É apenas o princípio...


*Uma ficção de Elizandro Rodrigues de Rodrigues. Publicado originalmente no Jornal Correio do Sul, na coluna dos Defensores do Patrimônio Histórico e Cultural de Arroio Grande, em 29.10.2015.

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