sexta-feira, 4 de março de 2016

Um Casamento a Recordar*

Igreja de Santa Isabel. Origem da foto: Facebook.
Aquela manhã acordava com certa leveza no ar; minha mãe havia desde o dia anterior iniciado todos os preparativos em nossa casa – o bolo estava confeitado, os quitutes, encaminhados; eu e ela já havíamos buscado meu vestido na costureira, todas as provas foram realizadas e ele estava impecável; a Matriz de Santa Isabel, por sua vez, já se encontrava com sua nave enfeitada em arranjos de madressilvas e rosas brancas, entrelaçados, exalando um agradável perfume no ar. Era um dia de primavera e a brisa abraçava os eucaliptos próximos à nossa casa. Tudo estava pronto para aquele que veio a ser um dos momentos mais importantes de minha vida: era meu casamento.
Meu pai, assim como seus antecessores portugueses, não dispensava um festejo em uma data desse porte: preparou, com o auxílio de meus irmãos mais velhos, um valão ao fundo do pátio, onde seria feito um grande assado após a cerimônia. Enquanto ele organizava, eu e mamãe, juntamente com minha tia, dispomos a mesa para os quitutes abaixo da parreira, esta que, por sua vez, já começava a estender seus galhos por sobre as armações. Após, fomos, todos, prepararmo-nos para a cerimônia.
Depois de prontos, mamãe, papai e todos os demais foram indo à frente, em direção à Matriz – nossa chácara ficava bem próxima ao vilarejo –; lá chegando, entraram pelo portão e, à direita, conduziram-se à sacristia. Ali esperariam a minha chegada, para logo em seguida irem em direção ao altar. Esperava, eu, no alpendre da sede; manico, como carinhosamente chamava meu irmão mais velho, estava terminando de pentear os cavalos da charrete que nos levaria à vila e, consequentemente, à igreja. Finda esta atividade, parou a condução em frente à casa, estendeu-me sua mão, em auxílio para a minha subida ao veículo, desejando-me, logo em seguida, com um olhar fixo em meus olhos, toda a felicidade do mundo.
Ao momento em que chegamos à Matriz, manico foi chamar papai. Este, de pronto, veio até mim e, num sussurro ao pé de meu ouvido, abençoou minha união. De imediato, anunciou, já em início de condução ao portal, que o noivo estava à minha espera num misto de nervosismo e felicidade. Ao rosto, eu expressava uma aparente serenidade, mas hoje confesso que uma certa ansiedade habitava meus sentidos naquele momento.
Adentramos à igreja e todos se levantaram. Enquanto papai me conduzia pela nave, uma Ave-Maria serena e leve era cantada, em tom harmônico ao azul-e-branco dos ornamentos do altar. Em seguida, conduziu-me, junto com meu noivo, à frente do padre. Durante a fala do clérigo, rogava em meus pensamentos aos santos daquele altar que nossa união fosse por eles iluminada. Após colocarmos as alianças, o padre autorizou meu agora marido a beijar-me. Ele levantou meu véu e beijou-me a testa, e, naquele beijo, senti toda a cumplicidade e companheirismo que teríamos ao longo de nossas vidas. Ao momento em que saímos da igreja e após a chuva de arroz, dirigimo-nos para casa, onde continuaria a festa, que perdurou a noite toda. 
Já remonta muito tempo desde então: naquela época, sequer havia chegado até nós a existência do rádio, e nossas noites eram embaladas pela luz de lampiões a querosene somada às histórias que os mais velhos contavam. Porém, bons momentos como este que aqui narrei, guardamos em nossos corações com toda a ternura e com tudo que há de bom em nossas vidas; afinal, o tempo não pode apagar emoções tão ternas e tão marcantes em nós...

*Texto Ficcional. Publicado originalmente em duas partes na coluna dos DEFENSORES-AG, do Jornal Correio do Sul de Arroio Grande/RS, em 18.02.2016 e 25.02.2016.

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