Lembro-me como hoje: ia de mãos dadas com minha mãe, rumo ao
cemitério – era dia de finados. A tarde estava bela, ensolarada, clima
aprazível, apresentando os primeiros sinais do verão. Havíamos atravessado a
cidade e nos encontrávamos no trajeto final que nos conduzia a uma visita à
morada dos entes que daqui se foram. Era de costume naquela época comprarmos
flores numa propriedade próxima àquele local: uma chácara cujo jardim, assim
que nele se chegava, o mundo se transformava: a conhecida Chácara do Aquilino.
Beirávamos o aramado da propriedade, quando minha mãe me
alertou de nossa parada na sede, em cujo local compraríamos flores. Mamãe desde
então me avisava para que em silêncio ficasse assim que chegássemos no local,
chamando-me a atenção, também, para que de seu lado não saísse enquanto ali
estivéssemos.
Algo impossível de ser cumprido: assim que chegamos à sede e
caminhávamos à beira do muro, a fim de adquirir as flores, não conseguia desviar
os olhos de tamanha beleza. Por entre as grades, avistava aquela explosão de
cores que vinha do jardim, contrastada com o verde das folhas recém-nascidas da
primavera e o morno sol que banhava aquela tarde. Dentre as cores, as
camélias...
Ah, as camélias... Mamãe havia batido à porta, eu ao seu
lado – ainda em transe com toda aquela beleza que se apresentava aos meus olhos
– quando uma senhora, já de meia idade, vestida em uma camisa branca e uma saia
comprida, na cor azul marinho, sobreposta de um avental, atendeu a porta.
Naquele instante, ela e mamãe conversavam e acertavam a compra, enquanto meu
olhar e minhas pernas conduziam-me na direção do chafariz, ao centro do jardim.
Ali chegando, a sensação era de como se eu estivesse em um mundo à parte: era
como se fosse outro tempo, outro momento.
A profusão de camélias naquele jardim encantava e
hipnotizava os olhos de quem quer que ali chegasse, tamanha a gama de cores que
delas emanava. As brancas balançavam-se em meio à brisa que soprava do sul,
enquanto que as vermelhas, mais abrigadas ao centro do jardim, brilhavam e
reluziam com o banho de sol que ora recebiam. As matizadas tinham seu abrigo
próximo à casa, e seus tons contrastavam com os contornos da arquitetura da
fachada do prédio.
Como que de pronto, mamãe me chamou, já havia comprado
alguns ramos de camélias e estava a me aguardar, a fim de seguirmos nosso rumo
em direção ao cemitério. No caminho, rememorava aquele belo instante de há
pouco, lembrando, também, das histórias que havia lido. Sentia-me tal qual
Alice, no momento que retornou do País das Maravilhas.
Hoje, quando passo por ali, tenho o mesmo sentimento que
nomeia a avenida cujo trajeto hoje faço e outrora fazia: saudade. Saudade
daqueles que se foram, saudades dos belos momentos vividos; saudades daquele
jardim, saudades do tempo que não volta mais. Mas algo é certo: permanece
vívida, em minha memória, a lembrança. Lembrança das cores, do perfume, da
atmosfera mágica daquele local; a lembrança... das camélias da chácara.
*Uma ficção de
Elizandro Rodrigues de Rodrigues. Publicada originalmente no Jornal Correio do Sul de Arroio Grande, em 30 de junho de 2016.