quarta-feira, 21 de abril de 2021

A FLOR DOS CAMPOS NEUTRAIS - II


Do navio se avistava ao longe a enseada e o Porto de Pipas, na Ilha Terceira, no Açores. Jeremias observava pelo convés do navio a embarcação aproximar-se da costa, ansioso por chegar à sua terra natal. Havia sido uma viagem muito longa; desde aquele domingo em que esteve no Curato de Nossa Senhora da Graça do Arroio Grande e reencontrou velhos conhecidos, não pensara em mais nada senão ir, o mais breve possível, ao encontro de Aurora. Obstinado pela ideia, em pouco tempo juntou uma quantia suficiente para deixar suas questões locais em ordem e partiu, através do Porto de Rio Grande, na direção dos Açores e de sua amada. Ao atracar em terra firme, Jeremias foi na direção da residência de seus familiares, em que foi recebido com um abraço caloroso de todos; após, partiu em busca de sua flor, Aurora. Ao encontrá-la, os dois se olharam e perceberam que o afeto que sentiam um pelo outro ainda estava vivo e cada vez mais fortalecido. Em pouco tempo, casaram e navegaram para o novo continente, de onde não mais retornariam. Ao chegar no cais do Porto de Rio Grande, acompanhada de Jeremias, Aurora encantou-se com a nova terra que a partir de então seria sua morada; na viagem rumo à propriedade do casal, a jovem observava atentamente a paisagem, encantada com o verdor dos imensos campos que compunham a planície litorânea do sul do Continente de São Pedro: nunca havia presenciado um cenário sequer parecido com aquele. Sentia que, naquelas terras, Jeremias e ela seriam muito felizes. O tempo passou; o moço, agora acompanhado de sua flor dos campos neutrais, muito trabalhou, incentivado e esperançoso por um futuro belo e promissor ao lado de Aurora. A luta foi árdua; ambos dedicaram muito de si e, consequentemente, fizeram melhoramentos na propriedade, desenvolvendo-a. Começaram, assim, a produção de charque, o que lhes garantiu o sustento. Tiveram três filhos, dois meninos e uma menina – Clara, João e Pedro –, os quais, a medida que cresciam, participavam cada vez mais da rotina de trabalho dos pais, aprendendo, assim, a valorizar o laboro e todas as conquistas a eles legadas. Seguidamente, Jeremias e Aurora, acompanhados dos filhos, faziam percurso a bordo de uma carreta à então Freguesia do Arroio Grande, com a finalidade de visitar os conhecidos e acertar algumas questões relativas aos negócios da família. Observavam o quanto crescia, a passos largos, aquele povoado; o casario aumentava em número e a população acompanhava o ritmo de crescimento. Mais frequentemente, a família frequentava a vila de Santa Isabel, pelo fato de ser muito próxima da propriedade em que moravam. O local passava por uma onda de prosperidade, por vezes mais intensa que a da Freguesia do Arroio Grande; o comércio desenvolvia-se com certo fôlego, o porto funcionava com devida frequência, as casas, em certo número, dispunham de alguns luxos e requintes somente vistos a muitas léguas dali; a vila possuía, ademais, um rígido código de posturas, definindo, dentre muitas disposições, o traçado e largura das ruas e calçadas – algo muito avançado para a época. Até mesmo o Imperador e sua comitiva visitaram a vila – ocasião na qual Jeremias e sua família no local estavam e presenciaram o evento –. Os anos corriam com alegria e felicidade para aquele casal e seus filhos; estes, agora adultos, zelavam pelos pais, a quem a velhice encontrou. Estava, agora, a família toda residindo na freguesia, em uma casa de boas condições – os negócios estavam equilibrados, o que lhes permitiu certas concessões –. Participavam, todos eles, da missa alusiva à emancipação da nova Villa do Arroio Grande, que surgia em lugar da freguesia. Durante a celebração, Jeremias e Aurora se olhavam, olhos nos olhos; ambos, felizes e emocionados, lembravam com saudosismo de tudo pelo que passaram juntos. Afinal, a trajetória havia valido a pena...

*Uma ficção de Elizandro Rodrigues. Publicada originalmente na Coluna dos Defensores do Patrimônio Histórico e Cultural de Arroio Grande, Jornal Correio do Sul, em 08.11.2019. Foto ilustrativa - acervo de imagens do Google.

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