Por Elizandro Rodrigues de Rodrigues**
Ainda hoje, há uma ideia sobre a qual a zona rural e a zona urbana se promovem de forma dicotômica e acentuada. Fonte: http://regioes.blogspot.com/. |
Resumo
Este trabalho
tem o intuito de fazer uma abordagem em torno do conceito de aculturação, sendo
este empregado nas relações entre rural e urbano. Inicialmente, se fará uma
apresentação do conceito, sendo logo em seguida este será conduzido para uma
reflexão dicotômica, onde se procurará ver tal abordagem nas relações rurais e
urbanas de forma separada, para ao final fazer um atamento discursivo, onde
será conjuntamente realizada uma reflexão em torno do emprego deste conceito
nas relações rurbanas.
Palavras-chave: Aculturação. Rural. Urbano.
“Há quem acredite que o meio rural esteja sujeito a um processo de
urbanização tão poderoso que a histórica contradição entre cidade e campo
estaria fadada a desaparecer” (VEIGA, 2002). Atualmente, as relações entre
rural e urbano têm tomado proporções discursivas mais amplas. O tema tem sido
debatido em várias esferas acadêmicas, bem como fora delas, abrangendo uma
pluralidade de opiniões muito vasta. Com isso, há a necessidade de se explorar
alguns pontos destas discursões, a fim de se ter melhor entendimento dos
processos teórico-práticos que diferenciam e por vezes aproximam essas duas
realidades.
Com isso, este trabalho pretende explorar, nestas relações, a questão da
aculturação, visto que ela propõe uma discussão muito pertinente e atual, bem
como toma proporções que atingem outras discussões paralelas. Inicialmente, se
procurará abordar o conceito de aculturação vinculado às relações rurbanas,
logo em seguida se procurará vê-la separadamente, para, ao final, fazer as
devidas contrastações entre as duas realidades, visto que elas estão
diretamente vinculadas à concepção de um patrimônio cultural.
Para falarmos de aculturação no ambiente rural e urbano, temos de
primeiro nos remeter ao seu conceito. Aculturação, assim, é a sobreposição de
uma cultura sobre a outra, quando vista através de uma postura mais
tradicional; atualmente, ela é vista como a designação das mudanças que podem
ocorrer na sociedade diante de sua fusão com meios culturais externos. De
acordo com Sachs (1989),
(...) é
certamente um conceito que engloba aspectos decisivos da organização social,
política e cultural do homem. É em torno dele que se articulam as ideias das
relações que um homem de um certo grupo pode ter (isto é, suportar e/ou impor)
com um homem de outro grupo. Comércio, colonialismo, imperialismo, difusão de
uma religião ou de uma ideologia, tudo “fatos” que encontram na aculturação a
razão ou o pretexto para organizar estas relações: quer intervenha na
hipocrisia missionária ou na violência da canhoneira, o objetivo que se
pretende atingir e a ideia (de “civilização”) que se pretende defender são
essencialmente justificados e explicados através do conceito e do processo de
aculturação (SACHS, 1989, p. 416).
É necessário afirmar ainda que, para
o enfoque dado ao nosso trabalho, o conceito de aculturação vai referir-se à
presença da cultura urbana dentro do espaço rural, e vice-versa, havendo, com
isso, uma troca mútua, a qual desencadeia em uma situação muito discutida
atualmente, tendo em vista que esses espaços, por ser grandiosa a mescla de elementos culturais
nestes, acabam por perder a dicotomia entre eles, a qual era apontada pela
crítica acadêmica há anos atrás.
Criação de animais no campo e, ao fundo, o espaço urbano. Cada vez mais há um contraste acentuado entre a zoa rural e urbana. Fonte: http://www.unicamp.br/. |
Com base no que é apresentado a respeito do conceito de aculturação,
podemos então passar à identificação das relações aculturais tendo como base a
zona rural. Nela, podemos perceber que se encontram presentes a questão do
turismo rural, na qual acaba por haver uma modernização deste espaço. É
perceptível isto por que, para este lugar, serão levados elementos oriundos da
cidade, desde eletrodomésticos e aparelhos de telecomunicação até a
configuração, arrumação e disposição dos ambientes de hospedagem, os quais, por
vezes, acabam perdendo o estilo de vida no campo, ganhando uma nova roupagem, a
qual não é nem urbana, pois não se encontra neste espaço, nem rural, pois não é
oriunda dali; acaba por se encontrar em uma fronteira entre estas duas
configurações espaciais.
Também é perceptível a presença de uma influência na forma como é tratada
a atividade no campo, pois para este espaço acabam sendo levados elementos
produzidos na cidade, como tratores, máquinas colheitadeiras, entre outros,
engajados em um processo por vezes chamado de “mecanização do campo”, no qual
se substitui a mão-de-obra humana em favor da utilização de utensílios e
máquinas agrícolas, as quais acabam por exigir menos pessoal no campo e,
consequentemente, uma diminuição na disponibilidade de trabalho, ocasionando
êxodo rural. Para complementar o que foi dito até agora, soma-se a esta
reflexão as contribuições de Veiga (2002), as quais visam, além da
complementação, apresentam outros tipos de processos aculturais.
Nada disso impede, entretanto, que seja muito atraente
a crença de que o destino do espaço rural será seu desaparecimento por força
avassaladora da urbanização. Para seus adeptos, a oposição cidade-campo já
seria, inclusive, uma questão inteiramente superada, uma vez que a ruralidade
não passaria de mero sucedâneo de uma formação social anterior, condenada pura
e simplesmente a sumir, a exemplo do que já teria ocorrido na Holanda, essa
vasta metrópole urbana apenas recortada por corredores verdes onde se misturam
espaços recreativos e terrenos de uso agrícola. (VEIGA, 2002, p. 6).
Tangenciando o assunto abordado, Ferreira e Mesquita (2009) fazem um
contraponto com a questão da mecanização do campo, defendendo a tese de que
esta acaba por trazer à tona antigas discussões, provindas do cenário europeu.
De acordo com as autoras,
"na
segunda metade do século XX as mudanças ocorridas no campo brasileiro com a
modernização da agricultura trouxeram à tona alguns dos questionamentos
levantados nos séculos XIX e XX sobre o futuro da agricultura camponesa na
Europa. Algumas correntes consideram que os camponeses que não se modernizarem
e se adequarem ao mercado tendem a expropriação da terra e a consequente
proletarização. Outros enxergam na luta pela terra o único caminho para a
reprodução camponesa" (FERREIRA e MESQUITA, 2009, p. 20).
Passemos a falar
agora das relações aculturais no cenário urbano. Para tal, antes de iniciarmos
a reflexão, trazemos uma passagem de Monteiro (2009), na qual ela nos afirma
que
o surgimento e a expansão da “consciência planetária”
estabeleceram uma pauta ambientalista na qual o suposto domínio da natureza
promovido pelo desenvolvimento científico deixou de ser um valor admirável.
Neste caso, o ambiente urbano, considerado a máxima expressão deste controle,
também deixou de ser exaltado com exclusividade (MONTEIRO, 2009, p. 163).
Com base no que a
autora nos traz, é possível afirmar que há, nos dias atuais, a presença de uma
“fuga” do urbano (fugere urbem***,
no latim), sendo esta perceptível em dois níveis: no primeiro, esta fuga é
realizada de maneira concreta, onde os sujeitos imbricados no espaço urbano
procuram realizar atividades no meio rural, daí o vínculo com o rural e o
estabelecimento de uma presença cultural que propicia uma multiplicação no
imaginário social urbano. Esta pode ser representada através do turismo rural,
tendo em vista que as pessoas engajadas na prática de turismo em zonas de campo
vão para estes espaços à procura de lazer e atividades voltadas para o que não
há na cidade, como por exemplo, um pesque-e-pague, um passeio a cavalo, uma colheita
de frutas no pomar, contato com animais domésticos e com a própria paisagem
campestre.
Há, com isso, a
consolidação de um deslocamento de um espaço para outro; porém somente em nível
físico, pois no que se refere à construção de mecanismos internos de uma práxis
social, não é realizado este deslocamento, visto que este espaço rural estará
imbricado neste espaço urbano, e não em função deste. No segundo caso, esta
fuga se dá dentro do urbano, quando algumas destas atividades rurais são
trazidas para dentro destes espaços. Como exemplo, podemos citar as hortas
comunitárias, realizadas em escolas; a utilização de pequenas áreas de terreno
baldio para o cultivo de frutas e hortaliças para fins de consumo próprio, bem
como, nos espaços urbanos menores, a presença de carroças puxadas por cavalos,
utilizadas como meio de transporte de carga e pessoas, sendo estas, no
trânsito, misturadas com os automóveis,
transformando assim a paisagem urbana. Neste caso, a presença da cultura rural
no espaço urbano, em todos os casos, se dá física e mentalmente de forma una,
ou seja, a cultura e o espaço são partes constituintes de um todo e uma
influencia na outra, ocasionando assim o mesmo olhar, tanto do ponto de vista
espacial quanto social.
Trazemos, a fim de
complementar o que é abordado acima, uma passagem de Czerny (2006), na qual ele
nos afirma que “todos os habitantes das cidades, independentemente de seu grau
de conhecimento histórico acerca do centro urbano, se encontram sob a
influência da esfera espacial e material da cultura, pois ela constitui a parte
média do local no qual vivem os habitantes deste centro” (CZERNY, 2006, p. 179, tradução nossa).
Finalizando nosso
trabalho, percebemos que as relações entre rural e urbano, bem como a presença
cultural de um em outro e vice-versa, estão se encaminhando para um ponto em
que não haverá um abismo dicotômico entre estas duas realidades, e sim uma
relação de colaboração que cada vez mais fortalece seus laços entre os dois
espaços, pois percebe-se que há e continuará havendo uma dependência mútua
entre estes espaços, tanto no sentido social quanto tecnológico e financeiro. Para
encerrar as reflexões, deixamos uma passagem de Czerny, na qual ele reflete em
torno do conceito de “patrimônio”, segundo o qual, para ele, pode possuir
diversos enfoques, pois
podemos concebê-lo também como fator qu participa no
processo de transformação ou desenvolvimento socioeconômico de uma região. E
não só dele, mas também do meio natural, pois o uso e a transformação do meio
natural formam parte da atividade do homem, sendo relacionados com o sistema de
valores, de ideias, de pensamentos; sendo assim, também constituem o patrimônio
(CZERNY, 2006, p. 182, tradução nossa).
Referências
Bibliográficas
CZERNY,
Miroslawa. Geografia de la Cultura y Estudios Sobre el Patrimonio. In: ALMEIDA, Joaquim Anécio de e
SOUZA, Marcelino de. Turismo Rural:
Patrimônio, Cultura e Legislação. Santa Maria: FACOS/UFSM, 2006.
FERREIRA, Ana Paula de Medeiros e MESQUITA, Helena Angélica
de. O Sentido do Desenvolvimento da Agricultura Sob o Capitalismo: Paradigmas
em Debate. In: Revista Pegada, Jun.
2009, Vol. 10, n. 1.
MONTEIRO, Rosa Cristina. Novas Ruralidades e Políticas
Públicas: Proposições para um Debate. In: FROEHLICH, José Marcos e DIESEL,
Vivien. (Org.). Desenvolvimento Rural:
Tendências e Debates Contemporâneos. Ijuí: Ed. Unijuí, 2009.
SACHS, Ignacy. Aculturação. In: Enciclopédia Einaudi. Lisboa: IN-CM, 1989, Vol. 38 – Sociedade –
Civilização, p. 416-429. Disponível em <jmir3.no.sapo.pt/Ebook2/Aculturacao_Einaudi.pdf>.
Acesso em 01 mai. 2012.
VEIGA, José Eli da. A Face Territorial do Desenvolvimento.
In: Revista Internacional de
Desenvolvimento Local, Set. 2002, Vol. 3, n. 5, p. 5-19.
* Artigo produzido no Programa de Pós-graduação Lato Sensu da Unipampa, Especialização em Culturas, Cidades e Fronteiras.
** Licenciado em Letras. Pós-graduando em Culturas, Cidades e Fronteiras (Unipampa - Jaguarão/RS).
*** Conceito resgatado pelos árcades no século XVIII, influenciados pelo poeta latino Horácio, defendendo o bucolismo como ideal de vida. Vide CEREJA, William Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Literatura Brasileira. São Paulo: Atual, 2000, p. 125.
** Licenciado em Letras. Pós-graduando em Culturas, Cidades e Fronteiras (Unipampa - Jaguarão/RS).
*** Conceito resgatado pelos árcades no século XVIII, influenciados pelo poeta latino Horácio, defendendo o bucolismo como ideal de vida. Vide CEREJA, William Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Literatura Brasileira. São Paulo: Atual, 2000, p. 125.