domingo, 7 de dezembro de 2014

Falco: A Linha Tênue entre Clássico e Popular


Olá. É muito recorrente na crítica contemporânea a postulação de uma possível ruptura entre tradição e popular. Um dos autores que aborda esta questão é o Antropólogo Néstor Garcia Canclini, em seu livro “Culturas Híbridas”. Essa quebra tem suas raízes nas vanguardas do início do Século XX, e, devido à complexidade de pluralidades existentes na cultura contemporânea, por vezes esta diferença se clarifica e, em muitos momentos, se enturvece.

A Linha Tênue: Falco, pseudônimo para Johann (Hans) Hölzel.
Falco é um destes exemplos em que pode-se perceber esta tensão. Músico de formação clássica, nasceu em Viena, na Áustria, berço dos grandes compositores. Contrariando as premissas de sua trajetória acadêmico-musical, acaba por voltar-se às vertentes sonoras contemporâneas à sua época, começando inicialmente em uma banda de hard rock e passando, posteriormente, a um dos precursores do estilo “rap” como conhecemos hoje.
 

Falco, caracterizado como Amadeus (Mozart).

Pseudônimo de Johann (Hans) Hölzel, Falco se interessou pelos sons e ritmos da música rap, tornando-se um dos primeiros na Europa a incorporar tal estilo nas músicas pop e rock. Ele é mais conhecido internacionalmente pela canção "Rock Me Amadeus", de seu álbum “Falco 3” (1985), que se tornou um hit mundial em 1986, atingindo primeiro lugar nas paradas de sucesso em vários países.


Tensão pós-modernas: De um lado, o clássico; de outro, os movimentos musicais contemporâneos. Cena do Clipe "Rock Me Amadeus" (1985).
“Rock Me Amadeus” completará, no ano de 2015, 30 anos de seu lançamento. Inspirada na vida do compositor clássico Wolfgang Amadeus Mozart, gênio da música que viveu no século XVIII, bem como no filme “Amadeus”, produzido em 1984, procura retratar, através de seu arranjo e letra, um aproximamento da condição a qual o compositor em sua época era colocado com a condição em que diversas vertentes da música contemporânea são postas. Em suma, a canção retrata que, da mesma forma que Mozart era tratado, mesmo sendo um gênio incompreendido – genialidade colocada em voga após sua morte e até os dias atuais –, muitos grandes e bons compositores de hoje são marginalizados por produzirem um repertório que foge aos padrões da dita Música Popular – como o Rap, o Hip Hop, o Funk, o Rock e o Heavy Metal.


Cena do Clipe "Rock Me Amadeus" (1985).
Pelo aspecto cultural, “Rock Me Amadeus” quebra com os padrões de produção cultural até então realizados. Através de um limes não rigorosamente demarcado, canção e videoclipe mesclam o clássico e o popular, o antigo e o moderno, procurando de alguma forma deixar elucidado ao expectador e apreciador que, tanto ontem como hoje, as mesmas tensões entre clássico e popular se chocam de maneira constante – e, talvez,  latente.

A seguir, há o vídeoclipe da canção Rock Me Amadeus, em sua versão original, remasterizada. Perceba a forma como é conduzido, de início a fim, a fotografia do clipe. Perceba, também, as inserções de outros elementos do âmbito da cultura, que estabelecem um diálogo contraditório e uma crítica reflexiva bem estruturada da condição cultural em que nos encontramos – tanto hoje, como ontem, como há trinta anos atrás.
 

Aos quarenta anos, em 1998, em um trágico acidente automobilístico na República Dominicana, Falco nos deixa. De novo surge a limes: de um lado, sua vontade de retomar a carreira musical; de outro lado, o seu legado à contemporaneidade. Lastimadamente, a fronteira desta vez, está – e assim ficará – bem estabelecida.

125 Anos do Último Baile da Monarquia Brasileira


Olá. Em nove de novembro do corrente ano, fez-se 1 e ¼ de século do famoso Baile da Ilha Fiscal, que ficou conhecido como o último grande evento realizado pela monarquia brasileira. Em virtude disto, é bom relembrar fatos ocorridos em um acontecimento que influenciou  - direta ou indiretamente – na instauração do regime republicano no Brasil e a consequente queda do império.

Ilha Fiscal - mirada continental. Início do Século XX.
Dia 9 de novembro de 1889, sábado: Em homenagem aos oficiais do navio chileno "Almirante Cochrane", foi realizado um baile na ilha Fiscal, no centro histórico do Rio de Janeiro, então capital do Império. Foi a última grande festa da monarquia antes da Proclamação da República Brasileira, em 15 de novembro, uma sexta-feira, seis dias após o baile. Inicialmente marcado para o dia 19 de outubro, foi adiado por ocasião da morte do Rei Luís I de Portugal (1861-1889), sobrinho de Pedro II do Brasil. O evento, que reuniu toda a sociedade do Império, formalmente homenageava a oficialidade dos navios chilenos ancorados na baía havia duas semanas. Porém, na realidade,  comemorava as bodas de prata da Princesa Isabel e do Conde d´Eu. Além disso, a intenção do Visconde de Ouro Preto, Presidente do Conselho de Ministros, era a de tornar inesquecível este baile, no intuito de reforçar a posição do Império contra as conspirações republicanas. O dinheiro gasto por ele no baile, 250 contos de réis, foi retirado do Ministério da Viação e Obras Públicas, e estaria destinado a socorrer flagelados da seca no Ceará. Além disso, este valor correspondia a quase 10% do orçamento previsto da Província do Rio de Janeiro para o ano seguinte.

"O Monarca escorregou, a monarquia não!" D. Pedro II, em retrato de 1890.
Estima-se que cerca de três a cinco mil pessoas participaram do baile, marcado pelo excesso e pela extravagância: a ilha foi enfeitada com balões venezianos, lanternas chinesas, vasos franceses e flores brasileiras. O movimento dos convidados era constante. Eles desciam das barcas a vapor e eram recepcionados por moças fantasiadas de fadas e sereias. O tilintar das taças de bebida se misturava aos risos e à música. Nunca se havia visto no Brasil tanto luxo. Na parte de trás do palacete foram montadas duas mesas, em formato de ferradura, onde foi servido um jantar para quinhentos convidados, sendo 250 em cada uma delas. Entre as iguarias, servidas em pratos ornamentados com flores e frutas exóticas, foram consumidos 800 kg de camarão, 300 frangos, 500 perus, 64 faisões, 1.200 latas de aspargos, 20.000 sanduíches, 14.000 sorvetes, 2.900 pratos de doces, 10.000 litros de cerveja, 304 caixas de vinhos, champagne e bebidas diversas. Uma banda, instalada a bordo do "Almirante Cochrane", o navio homenageado, tocou valsas e polcas madrugada adentro.

Menu do Baile.

"Dançou-se muito no baile da Ilha Fiscal, mas o que os convidados não imaginavam, nem o imperador D. Pedro II, é que se dançava sobre um vulcão. À mesma hora em que se acendiam as luzes do palacete para receber os milhares de convidados engalanados, os republicanos reuniam-se no Clube Militar, presididos pelo tenente-coronel Benjamin Constant, para maquinar a queda do Império. "Mais do que nunca, preciso sejam-me dados plenos poderes para tirar a classe militar de um estado de coisas incompatível com sua honra e sua dignidade", discursou Constant na ocasião, tendo como alvo justamente o Visconde de Ouro Preto. Longe dali, ao lado da família imperial, o visconde desmanchava-se em sorrisos ao comandar seu suntuoso festim. A família imperial chegou ao cais pouco antes das 10 horas. D. Pedro II, fardado de almirante, a imperatriz Teresa Cristina e o príncipe D. Pedro Augusto embarcaram primeiro. Quinze minutos depois foi a vez da princesa Isabel e do conde D’Eu. Uma vez no palácio, foram conduzidos a um salão em separado, onde já se achavam reunidos membros do corpo diplomático estrangeiro oficiais e alguns eleitos da sociedade carioca. O guarda-roupa da imperatriz não chegou a causar impressão especial entre os convidados - um vestido de renda de chantilly preta, guarnecido de vidrilhos. A toalete da princesa Isabel, no entanto, causou exclamações de admiração pelo luxo e pela beleza. Ela portava uma roupa de moiré preta listrada, tendo na frente um corpinho alto bordado a ouro. Nos cabelos, carregava um diadema de brilhantes”.

Ingresso de acesso ao Baile.

Um fato irônico, até hoje não confirmado, ocorreu logo após a chegada da família real, às 10 horas da noite: conta-se que D. Pedro II, ao entrar no salão do baile, desequilibrou-se e levou um tombo. Foi amparado por dois jornalistas. Ao recompor-se, exclamou: O monarca escorregou, mas a monarquia não caiu! Apesar do sucesso do baile, o imperador pouco se divertiu. Ficou sentado o tempo todo e foi embora à 1h da manhã, sem jantar.

Uma foto do último baile: Decoração da área interna do prédio da Ilha Fiscal, horas antes de sua realização.
Outro acontecimento curioso ocorreu no término da festa. Às 5 horas da manhã, após a saída dos convidados, os trabalhos de limpeza revelaram alguns artigos inusitados espalhados pelo chão: além de copos quebrados e garrafas espalhadas, foram recolhidas condecorações perdidas e até peças de roupas íntimas femininas. O fato pode, entretanto, ser fictício, uma vez que foi relatado na coluna humorística Foguetes, do periódico carioca "O Paiz", no dia 12 de novembro.


Ilha Fiscal no dia do último baile do Império (1889, óleo sobre tela, Francisco Joaquim Gomes Ribeiro.)
Em 1905, Aurélio de Figueiredo e Melo, em homenagem à realização do Baile, pintou o quadro intitulado “A Ilusão do Terceiro Reinado”, do qual pode-se ler a respeito em postagem anterior feita neste blog, clicando aqui.


A Ilha Fiscal, nos dias atuais.
 
Espero que tenham gostado. Até a próxima!