quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Aculturação nos Sistemas Rural e Urbano: Questões Pertinentes*


Por Elizandro Rodrigues de Rodrigues**


Ainda hoje, há uma ideia sobre a qual a zona rural e a zona urbana se promovem de forma dicotômica e acentuada. Fonte: http://regioes.blogspot.com/.


Resumo
Este trabalho tem o intuito de fazer uma abordagem em torno do conceito de aculturação, sendo este empregado nas relações entre rural e urbano. Inicialmente, se fará uma apresentação do conceito, sendo logo em seguida este será conduzido para uma reflexão dicotômica, onde se procurará ver tal abordagem nas relações rurais e urbanas de forma separada, para ao final fazer um atamento discursivo, onde será conjuntamente realizada uma reflexão em torno do emprego deste conceito nas relações rurbanas.

Palavras-chave: Aculturação. Rural. Urbano.

 

“Há quem acredite que o meio rural esteja sujeito a um processo de urbanização tão poderoso que a histórica contradição entre cidade e campo estaria fadada a desaparecer” (VEIGA, 2002). Atualmente, as relações entre rural e urbano têm tomado proporções discursivas mais amplas. O tema tem sido debatido em várias esferas acadêmicas, bem como fora delas, abrangendo uma pluralidade de opiniões muito vasta. Com isso, há a necessidade de se explorar alguns pontos destas discursões, a fim de se ter melhor entendimento dos processos teórico-práticos que diferenciam e por vezes aproximam essas duas realidades.

Com isso, este trabalho pretende explorar, nestas relações, a questão da aculturação, visto que ela propõe uma discussão muito pertinente e atual, bem como toma proporções que atingem outras discussões paralelas. Inicialmente, se procurará abordar o conceito de aculturação vinculado às relações rurbanas, logo em seguida se procurará vê-la separadamente, para, ao final, fazer as devidas contrastações entre as duas realidades, visto que elas estão diretamente vinculadas à concepção de um patrimônio cultural.

Para falarmos de aculturação no ambiente rural e urbano, temos de primeiro nos remeter ao seu conceito. Aculturação, assim, é a sobreposição de uma cultura sobre a outra, quando vista através de uma postura mais tradicional; atualmente, ela é vista como a designação das mudanças que podem ocorrer na sociedade diante de sua fusão com meios culturais externos. De acordo com Sachs (1989),

(...) é certamente um conceito que engloba aspectos decisivos da organização social, política e cultural do homem. É em torno dele que se articulam as ideias das relações que um homem de um certo grupo pode ter (isto é, suportar e/ou impor) com um homem de outro grupo. Comércio, colonialismo, imperialismo, difusão de uma religião ou de uma ideologia, tudo “fatos” que encontram na aculturação a razão ou o pretexto para organizar estas relações: quer intervenha na hipocrisia missionária ou na violência da canhoneira, o objetivo que se pretende atingir e a ideia (de “civilização”) que se pretende defender são essencialmente justificados e explicados através do conceito e do processo de aculturação (SACHS, 1989, p. 416).

            É necessário afirmar ainda que, para o enfoque dado ao nosso trabalho, o conceito de aculturação vai referir-se à presença da cultura urbana dentro do espaço rural, e vice-versa, havendo, com isso, uma troca mútua, a qual desencadeia em uma situação muito discutida atualmente, tendo em vista que esses espaços, por ser  grandiosa a mescla de elementos culturais nestes, acabam por perder a dicotomia entre eles, a qual era apontada pela crítica acadêmica há anos atrás.
 
Criação de animais no campo e, ao fundo, o espaço urbano. Cada vez mais há um contraste acentuado entre a zoa rural e urbana. Fonte: http://www.unicamp.br/

Com base no que é apresentado a respeito do conceito de aculturação, podemos então passar à identificação das relações aculturais tendo como base a zona rural. Nela, podemos perceber que se encontram presentes a questão do turismo rural, na qual acaba por haver uma modernização deste espaço. É perceptível isto por que, para este lugar, serão levados elementos oriundos da cidade, desde eletrodomésticos e aparelhos de telecomunicação até a configuração, arrumação e disposição dos ambientes de hospedagem, os quais, por vezes, acabam perdendo o estilo de vida no campo, ganhando uma nova roupagem, a qual não é nem urbana, pois não se encontra neste espaço, nem rural, pois não é oriunda dali; acaba por se encontrar em uma fronteira entre estas duas configurações espaciais.

Também é perceptível a presença de uma influência na forma como é tratada a atividade no campo, pois para este espaço acabam sendo levados elementos produzidos na cidade, como tratores, máquinas colheitadeiras, entre outros, engajados em um processo por vezes chamado de “mecanização do campo”, no qual se substitui a mão-de-obra humana em favor da utilização de utensílios e máquinas agrícolas, as quais acabam por exigir menos pessoal no campo e, consequentemente, uma diminuição na disponibilidade de trabalho, ocasionando êxodo rural. Para complementar o que foi dito até agora, soma-se a esta reflexão as contribuições de Veiga (2002), as quais visam, além da complementação, apresentam outros tipos de processos aculturais.

Nada disso impede, entretanto, que seja muito atraente a crença de que o destino do espaço rural será seu desaparecimento por força avassaladora da urbanização. Para seus adeptos, a oposição cidade-campo já seria, inclusive, uma questão inteiramente superada, uma vez que a ruralidade não passaria de mero sucedâneo de uma formação social anterior, condenada pura e simplesmente a sumir, a exemplo do que já teria ocorrido na Holanda, essa vasta metrópole urbana apenas recortada por corredores verdes onde se misturam espaços recreativos e terrenos de uso agrícola. (VEIGA, 2002, p. 6).

Tangenciando o assunto abordado, Ferreira e Mesquita (2009) fazem um contraponto com a questão da mecanização do campo, defendendo a tese de que esta acaba por trazer à tona antigas discussões, provindas do cenário europeu. De acordo com as autoras,

"na segunda metade do século XX as mudanças ocorridas no campo brasileiro com a modernização da agricultura trouxeram à tona alguns dos questionamentos levantados nos séculos XIX e XX sobre o futuro da agricultura camponesa na Europa. Algumas correntes consideram que os camponeses que não se modernizarem e se adequarem ao mercado tendem a expropriação da terra e a consequente proletarização. Outros enxergam na luta pela terra o único caminho para a reprodução camponesa" (FERREIRA e MESQUITA, 2009, p. 20).

Passemos a falar agora das relações aculturais no cenário urbano. Para tal, antes de iniciarmos a reflexão, trazemos uma passagem de Monteiro (2009), na qual ela nos afirma que

o surgimento e a expansão da “consciência planetária” estabeleceram uma pauta ambientalista na qual o suposto domínio da natureza promovido pelo desenvolvimento científico deixou de ser um valor admirável. Neste caso, o ambiente urbano, considerado a máxima expressão deste controle, também deixou de ser exaltado com exclusividade (MONTEIRO, 2009, p. 163).

Com base no que a autora nos traz, é possível afirmar que há, nos dias atuais, a presença de uma “fuga” do urbano (fugere urbem***, no latim), sendo esta perceptível em dois níveis: no primeiro, esta fuga é realizada de maneira concreta, onde os sujeitos imbricados no espaço urbano procuram realizar atividades no meio rural, daí o vínculo com o rural e o estabelecimento de uma presença cultural que propicia uma multiplicação no imaginário social urbano. Esta pode ser representada através do turismo rural, tendo em vista que as pessoas engajadas na prática de turismo em zonas de campo vão para estes espaços à procura de lazer e atividades voltadas para o que não há na cidade, como por exemplo, um pesque-e-pague, um passeio a cavalo, uma colheita de frutas no pomar, contato com animais domésticos e com a própria paisagem campestre.

Há, com isso, a consolidação de um deslocamento de um espaço para outro; porém somente em nível físico, pois no que se refere à construção de mecanismos internos de uma práxis social, não é realizado este deslocamento, visto que este espaço rural estará imbricado neste espaço urbano, e não em função deste. No segundo caso, esta fuga se dá dentro do urbano, quando algumas destas atividades rurais são trazidas para dentro destes espaços. Como exemplo, podemos citar as hortas comunitárias, realizadas em escolas; a utilização de pequenas áreas de terreno baldio para o cultivo de frutas e hortaliças para fins de consumo próprio, bem como, nos espaços urbanos menores, a presença de carroças puxadas por cavalos, utilizadas como meio de transporte de carga e pessoas, sendo estas, no trânsito,  misturadas com os automóveis, transformando assim a paisagem urbana. Neste caso, a presença da cultura rural no espaço urbano, em todos os casos, se dá física e mentalmente de forma una, ou seja, a cultura e o espaço são partes constituintes de um todo e uma influencia na outra, ocasionando assim o mesmo olhar, tanto do ponto de vista espacial quanto social.

Trazemos, a fim de complementar o que é abordado acima, uma passagem de Czerny (2006), na qual ele nos afirma que “todos os habitantes das cidades, independentemente de seu grau de conhecimento histórico acerca do centro urbano, se encontram sob a influência da esfera espacial e material da cultura, pois ela constitui a parte média do local no qual vivem os habitantes deste centro” (CZERNY, 2006, p. 179, tradução nossa).

Finalizando nosso trabalho, percebemos que as relações entre rural e urbano, bem como a presença cultural de um em outro e vice-versa, estão se encaminhando para um ponto em que não haverá um abismo dicotômico entre estas duas realidades, e sim uma relação de colaboração que cada vez mais fortalece seus laços entre os dois espaços, pois percebe-se que há e continuará havendo uma dependência mútua entre estes espaços, tanto no sentido social quanto tecnológico e financeiro. Para encerrar as reflexões, deixamos uma passagem de Czerny, na qual ele reflete em torno do conceito de “patrimônio”, segundo o qual, para ele, pode possuir diversos enfoques, pois

podemos concebê-lo também como fator qu participa no processo de transformação ou desenvolvimento socioeconômico de uma região. E não só dele, mas também do meio natural, pois o uso e a transformação do meio natural formam parte da atividade do homem, sendo relacionados com o sistema de valores, de ideias, de pensamentos; sendo assim, também constituem o patrimônio (CZERNY, 2006, p. 182, tradução nossa).

 

Referências Bibliográficas

CZERNY, Miroslawa. Geografia de la Cultura y Estudios Sobre el Patrimonio. In: ALMEIDA, Joaquim Anécio de e SOUZA, Marcelino de. Turismo Rural: Patrimônio, Cultura e Legislação. Santa Maria: FACOS/UFSM, 2006.

FERREIRA, Ana Paula de Medeiros e MESQUITA, Helena Angélica de. O Sentido do Desenvolvimento da Agricultura Sob o Capitalismo: Paradigmas em Debate. In: Revista Pegada, Jun. 2009, Vol. 10, n. 1.

MONTEIRO, Rosa Cristina. Novas Ruralidades e Políticas Públicas: Proposições para um Debate. In: FROEHLICH, José Marcos e DIESEL, Vivien. (Org.). Desenvolvimento Rural: Tendências e Debates Contemporâneos. Ijuí: Ed. Unijuí, 2009.

SACHS, Ignacy. Aculturação. In: Enciclopédia Einaudi. Lisboa: IN-CM, 1989, Vol. 38 – Sociedade – Civilização, p. 416-429. Disponível em <jmir3.no.sapo.pt/Ebook2/Aculturacao_Einaudi.pdf>. Acesso em 01 mai. 2012.

VEIGA, José Eli da. A Face Territorial do Desenvolvimento. In: Revista Internacional de Desenvolvimento Local, Set. 2002, Vol. 3, n. 5, p. 5-19.
 
* Artigo produzido no Programa de Pós-graduação Lato Sensu da Unipampa, Especialização em Culturas, Cidades e Fronteiras.
** Licenciado em Letras. Pós-graduando em Culturas, Cidades e Fronteiras (Unipampa - Jaguarão/RS).
*** Conceito resgatado pelos árcades no século XVIII, influenciados pelo poeta latino Horácio, defendendo o bucolismo como ideal de vida. Vide CEREJA, William Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Literatura Brasileira. São Paulo: Atual, 2000, p. 125.